A Professora Francisca Lopes de Souza, graduada em serviço social pela UECE, especialista em gestão de sistemas de saúde pela UVA e em educação na saúde para preceptor pelo Instituto Sírio-libanês de Ensino e Pesquisa foi convidada para debater sobre a importância da conscientização da saúde feminina e como isso afeta a sociedade. A entrevista faz parte de uma série de atividades da disciplina Redação Jornalística I, ministrada pelo Prof. Me. Augustiano Xavier.
Alunos: Bem, nós sabemos que você se graduou em Serviço Social e entre tantas áreas acabou escolhendo pela saúde. Como que aconteceu a afinidade com esse tema?
Prof. Francisca: Na verdade, nunca tinha pensado na graduação na área da saúde, só que fiz um concurso público, passei e fui atuar na área. Então, a minha atuação e a prática exigiam que eu estivesse em permanente formação. Eu comecei na saúde sem muita liderança, sem muita base, e aí eu senti a necessidade também para poder atender as demandas do trabalho, para me qualificar, são várias especializações. Agora, em janeiro, fiz Gestão da Qualidade e Segurança do Paciente que é uma nova vibe para a saúde e tem muito a ver com a história da pandemia.
Alunos: Dentro das definições que colocam sobre o que é a saúde da mulher existem alguns conceitos que não qualificam a parte social como integrada a isso. Como você definiria o que é a saúde da mulher?
Prof. Francisca: Se for vista a saúde da mulher, ela está muito focada no aparelho reprodutivo da mulher, né? Então, geralmente a política de saúde sempre se focou para isso, a questão da natalidade, e as mulheres são muito mais do que isso. Então, quando a gente pensa hoje na saúde da mulher a gente tem que extrapolar esse âmbito da mama e do útero. A gente tem que pensar na mulher como ser integral, sistêmico, como um todo. E eu acho que é nessa perspectiva que entendo o que é hoje a saúde da mulher.
Alunos: Então a questão da saúde da mulher vai muito além da biologia. E a gente tem atendimento num país onde a violência doméstica é muito comum que esses casos passam despercebidos, então qual seria o papel dos centros de saúde no combate a violência?
Prof. Francisca: Assim, na verdade, a saúde é uma das questões críticas que mais avançou na questão da violência. Existe o que a gente chama de lista de notificação provisória, que todo profissional de saúde da família que precisava dos hospitais deveria ter cultivos toda vez que se identificasse qualquer pessoa em situação de violência seja mulher, seja o idoso, seja a criança, mas eu diria que os profissionais são muito despreparados ainda e isso é muito aceito.
Alunos: Como as mulheres podem lidar com esse tipo de violência comum nos hospitais? Existe alguma coisa que se possa fazer, principalmente quando isso acontece?
Prof. Francisca: Acho que primeiro é como conscientizar as mulheres. Nós, às vezes, escutamos o depoimento de outras mulheres, não nos damos conta que passamos por aquela violência e somos capazes de reconhecer essa violência. Uma coisa muito comum com a violência de gênero é que naturalizamos tanto ela durante anos, que às vezes até nós mulheres naturalizamos determinadas posturas. Então, eu acho que a primeira coisa que eu percebi é realmente trazer à tona essas discussões. O segundo passo é aparecer os canais, por exemplo, as ouvidorias, e as mulheres também denunciarem, né? Porque às vezes a gente tem vergonha de dizer que “isso daqui é violência”, porque no fundo a gente quer encontrar de alguma forma uma justificativa para explicar essa violência. “Será que eu fiz alguma coisa?”, “será que eu disse alguma coisa?” e na verdade não é bem assim.
Alunos: De acordo com a OMS o aborto inseguro é uma das principais causas de morte durante a gravidez. Você considera que o aborto provocado pode constituir um grave problema de saúde pública e deve ser assumido pelos programas de assistência à saúde da mulher?
Prof. Francisca: É, esse é um assunto muito complexo. Estamos no século XXI e esse assunto ainda é um tabu, não só no Brasil, mas no mundo todo. E isso envolve tantas coisas como religião, preceitos morais, pressão social que a voz da mulher acaba sendo esquecida. Hoje em dia as políticas mudaram, mas antigamente se as mulheres quisessem fazer laqueadura elas precisavam ter a autorização por escrito dos maridos, só para ter uma noção. E tem os abortos clandestinos, que são procurados por mulheres de classe média a alta colocando em risco suas vidas. Isso sem contar as mulheres de baixa renda, que não se enquadram nesse grupo e tentam das mais perigosas formas realizar o aborto também colocando suas vidas em risco.
Alunos: Um assunto em alta hoje em dia é a questão da saúde mental. A saúde feminina não está apenas associada à questão biológica, mas também social. Você percebe alguma deficiência em lidar com esse tema em específico? Ainda existem medidas para serem feitas especialmente para a saúde mental feminina?
Prof. Francisca: Hoje, a mulher já pode falar de amor, de saúde da mulher, mas ainda hoje a gente não consegue ter liberdade, autonomia. Mas, assim, essas coisas não são no automático, são conquistas históricas. Se você consegue pensar sobre isso, romper isso, aí você chega para sua colega e já consegue conversar sobre isso. Se você faz isso aqui para sala de aula, escute abertamente sobre isso, se você consegue sentir isso no seu relacionamento dentro da sua casa, se você consegue se contrapor a determinadas postagens na internet com reflexão, complexidade, né? Então, acho que são coisas que são uma evolução da sociedade. Se estamos aqui falando sobre nossas vontades, nossos desejos é porque tiveram mulheres que precisaram ser presas e ser mortas para que hoje tivéssemos voz.
Alunos: Por fim, quais você acha que são as coisas que ainda precisamos para oferecer para as mulheres uma saúde humana e de qualidade?
Prof. Francisca: Quando a gente fala de saúde a gente não pode falar só sobre estar saudável. Quando a gente fala de saúde, a gente se refere a um conceito ampliado. Como, por exemplo, se a mulher está empregada, se ela tem profissão, escolaridade, moradia, acesso à internet, acesso a lazer e a cultura. Tudo isso faz parte da promoção à saúde. Então, pensar em saúde das mulheres também é pensar nesse conjunto de fatores.
A entrevista teve como realizadores os seguintes estudantes da disciplina Redação Jornalística I:
Clara Klink
Fernanda Cristina
Jéssica Arruda
Levy Lourinho
Celyne Santos